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Janeiro 2017

Dez anos da LC 126/2007

Walter Polido

Inaugurando novo regime operacional em relação ao resseguro no Brasil, após aproximadamente setenta anos de monopólio o qual deixou incontáveis reflexos até hoje presentes, a LC 126/2007 descortinou novo cenário no Mercado Nacional de Seguros e nem sempre esmiuçado atentamente. A operação de resseguro, antes um amontoado de normas impostas pelo Estado e que refletia um modelo atrasado e único, atualmente vigora a livre pactuação, assim como acontece nos demais países.

Se ainda não há plenitude na abertura, como de fato não há e em face da injustificada reserva que ainda prevalece em relação aos Resseguradores Locais e na condição de último sopro do nacionalismo anacrônico que vigorou no século XX, não se pode negar que a abertura propiciou e ainda propiciará muitas mudanças entre nós. Estamos longe ainda do final do processo da abertura iniciado em 2007/8.

O resseguro, antes igual para todos e que propiciou, com este sistema, a massificação das Seguradoras e todas elas multilines em suas operações, como se fossem de fato aptas e eficientes nessa diversidade operacional, contemporaneamente já é bastante diferente e este cenário tende a mudar ainda mais. Cada Seguradora deverá buscar o seu nicho, especializando-se. São poucas aquelas Seguradoras profissionais que podem ser multilines e este paradigma é mundial. A segmentação é primordial e desejada.

Além disso, este sistema propicia melhor proteção aos consumidores-segurados, hoje ainda mal assistidos em muitas situações no mercado nacional: na comercialização; na oferta de produtos mal estruturados; no atendimento dos sinistros. Grande parte dos produtos e seus respectivos clausulados são de baixa qualidade técnica. Os produtos padronizados pelo Estado, então, aviltam a boa técnica que pode ser encontrada nos mercados internacionais, mas que ainda não foi adotada pelo mercado nacional, injustificadamente. Os conflitos aumentam em razão disso e também ampliam a judicialização dos contratos de seguros, sendo o efeito da causa que é representada justamente pelos produtos mal elaborados e mal comercializados.

O resseguro propicia a modificação deste cenário. Ele exige maior profissionalismo e, portanto, especialização das Seguradoras. Ele exige melhores resultados das Cedentes. O resseguro constitui, em mercado aberto e livre, com pluralidade de ofertas e precificação, ferramenta estratégica para o mercado segurador. Através do resseguro bem contratado, a Seguradora pode se situar muito melhor no mercado e de forma mais célere e ainda com maior capacidade de aceitação de riscos, o que a torna muito mais eficiente e competitiva em relação à concorrência que não dispuser do mesmo aparato. O momento atual, após dez anos de transição, cujo processo não foi ainda concluído de forma alguma, tende a consolidar o mercado nacional na busca de novos parâmetros de atuação e, todos eles, pautados no maior rigor técnico. Não há como permanecer como se encontra. As Seguradoras devem buscar por especialização concentrada. Os produtos de seguros devem ser melhorados e muito. A Susep deve se ater às suas funções reguladoras, mas com muito mais ênfase na liquidez do sistema e fiscalizando as provisões técnicas, assim como as reservas de sinistros com muito mais rigor. Seguradoras não podem quebrar no país, prejudicando milhares de segurados. Não é função dela, no século XXI, elaborar clausulados de coberturas dos diversos ramos para a iniciativa privada, sendo que as Seguradoras são as responsáveis pela tarefa, como condição primária da atividade. O Estado tem outras funções e elas passam pela higidez do sistema, repise-se.

Insistir na padronização, cujo modelo é arcaico e representativo do conservadorismo atrasado, pode ser interessante apenas para aquelas Seguradoras de bancos e que vendem seus produtos nos balcões, mas certamente não retratam o cenário completo das Seguradoras que operam no país e, menos ainda, representa os interesses seguráveis. Os Resseguradores, inclusive, não deveriam aceitar ofertas de resseguro representadas por clausulados padronizados, notadamente de riscos de médio e grande porte, todos eles muito mal assegurados através desses modelos ultrapassados e estanques, sendo que praticamente todos repercutem em conflitos no momento dos ajustamentos dos sinistros.

Os Resseguradores Internacionais têm essa obrigação para com os segurados brasileiros. Eles devem participar da promoção do desenvolvimento do mercado segurador nacional e, começando pelo rechaço do nível alarmante da baixa qualidade que os clausulados hoje apresentam, seria a melhor contribuição e das mais eficientes. As Seguradoras internacionais que operam no país, algumas delas há cem anos ou mais, também têm obrigação moral quanto a comercialização de produtos de seguros e do mesmo nível que elas comercializam lá fora, nos países de suas respectivas matrizes, todos eles desenvolvidos e com respeito absoluto aos consumidores dos mesmos países.

Se a abertura do resseguro não tiver o condão de propiciar este novo cenário, então de que valeu o longo processo, com idas e vindas e sobrestado, algumas vezes, por interesses individualizados ou mesmo equivocados? Não nos parece que possamos esperar por mais dez anos de aniversário da LC 126/2007 sem vislumbramos este tipo de mudança. Os segurados merecem e exigem nova postura de todos os players do sistema.

O Brasil inteiro passa por mudanças e o Mercado Segurador, de importância vital para a economia e para a garantia de interesses vários da sociedade, não poderá permanecer alheio e assentado em velhos e carcomidos paradigmas construídos diante do DL-73/66 e do CC/1916. Tudo está mudando e o seguro tem de mudar também no país.

A comercialização e suas práticas precisam ser igualmente alteradas, inequivocamente, nos aspectos da transparência, muito longe de ter sido alcançada na atualidade. Quando ainda se pretende coibir que o proponente do seguro decida de que maneira ele deseja contratar o seu seguro, com corretor ou sem corretor, com papel ou eletronicamente, certamente desrespeita-se o avanço da sociedade e do Direito, desrespeita-se a vontade do consumidor que é soberana e nenhum segmento organizado, que não dos próprios consumidores, pode pretender relativizar este avanço alcançado. O Estado tampouco.

Movimento que tem demonstrado a mudança já sofrida no mercado nacional diz respeito aos processos de arbitragem em sede de resseguro. Os conflitos existentes e que antes eram absorvidos com viés puramente comercial, passaram a ter tratamento técnico e profissional e, em decorrência dessa nova postura, os processos arbitrais se multiplicam. Não era sem tempo essa evolução. Então, juntamente com o aniversário da LC 126/2007, o reconhecimento de que o processo avançou e bastante, mas que ainda falta um caminho longo a ser percorrido, devendo ser abreviado no tempo, notadamente pela intervenção das Entidades representativas que têm o dever de desenvolver o Mercado Nacional de Seguros do país em prol de todos e principalmente daqueles que são a razão primeira dele existir: os segurados.

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